quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Abençoados sejam os esquecidos, pois tiram o melhor de seus equívocos

Porque o tempo é tão frio e calculista? Já dizia um grande sábio: há menos ar no topo da montanha. E enquanto subimos, percebemos a dificuldade dos pulmões em se manterem cheios, vibrantes do fôlego do solo. Medo! Já morrestes por asfixia?

Eu nunca esqueço, e por tal, desventurado! Esqueceis? Que belo balsamo às dores do passado, dores de uma virginal proeza: a incapacidade da premonição. Preveni-vos com as cartas dos matemáticos e com o cofre dos reis, pois os sonhos passam, numa noite, de uma bela paisagem emblemática à um espelho da velhice. Preveni-vos, sim! Preveni-vos de morrerdes jovem, sem as dores do parto, às jovens mulheres, e os olores do suor da ordinariedade, aos aventureiros.

Precavei de todos estes males, forjados nas areias do Tempo. Precavei-vos para salvardes a vossa alma... Precavei-vos, pois eu já não posso mais...

quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Maldito Seja

Dize o verso que em minha mente explana todos os outros versos. Dize-o com a vontade do desejo, mesquinho a todas as outras vontades. Dize-o para que eu saiba, pois não me foi revelado ainda este verso, verso de inspiração ímpar!

Mas porque o sol se esconde em luto e porque, no luto do sol, a lua esbarra no ventre da sua agonia? E porque os campos tão sem flores e os bosques tão nus? E porque o fúlgido da Aurora se apagou na obscenidade do raiar do dia? E porque trocou o esmalte rosa pelo preto, acabando por tingir todas as pedras e flores com mais visgo e mais orvalho?

Visto minha mortalha em respeito ao sol... Visto-a para provocar a lua, com suas bilhões de concubinas, na orgia das constelações... Maldito seja Copérnico e seu latim cenobial... Conflagrado ao flagelo de Deus e a vontade das mentiras; e a verdade das vontades, vontades todas mentirosas...

terça-feira, 7 de setembro de 2010

Delírio à Demócrito

Fecho os meus olhos na brisa suave da chuva e quando os abro, o torvo espectro da noite os embala, tal qual o som do alaúde embalsamado no gosto da lua... Ao menos o centro dessa noite está presente, muito diferentemente do sol, que não nos deu o ar da graça. Tal qual tivesse alguém batido a minha porta, tal como o verso que exorta o poeta a outro verso criar... E tal como os ponteiros do meu relógio de pulso – que não é meu, mas de meu pai – os segundos continua a passar, continuo também a respirar. Mas não com hálito de vivo e sim com a rigidez da morte. Como o processo que o corpo decompõe e que as proteínas, fétidas, exalam seu gosto de verme. A autólise de todos os finais, iniciada na bexiga do morto e terminada na acidez alcalina da putrefação.

Império dos vermes... Império dos vermes... Sibaritas do último refinamento, provando do inverso ao gosto, todo já digerido... Notórios, néscios na virgindade do solo... Eu volto resoluto à minha noite, onde o véu de estrelas já não as possui... E Eu volto resoluto ao réquiem do sono, que não me possui...

Tarde de Domingo, terça-feira

O mesmo plúmbeo da noite séria, zangada, agora nos horizontes e nas alvoradas, canta como rei e como santo. Mas eu não vejo mais do que uma nuvem e esta eu conto em meus dedos, sobrando sempre espaço para o sol. Porém o sol tem seus segredos e vai resolver os seus assuntos, deixando-nos na penumbra de uma fantasia, a mercê da vontade da chuva...

Duas horas de exclamação

O bronze da manhã apagou toda rósea alegria da Aurora, e consigo, tanto quanto comigo, levou também minha alegria. Que coisa triste o céu tão denso e os planos tão falhos... Que coisa triste os amigos tão juntos e tão separados. Talvez nem amigos, nem inimigos... Somente a fome que aperta e eu já nem sei mais o que deveria dizer.