domingo, 28 de novembro de 2010

Idéia Abstrata

Um novo mundo começa com uma nova abstração,
Um foco de idéia desconexa, presa à correntes no chão...
Pulsa-se então um peito aberto, abre-se o coração...
Vê-se em suas artérias vibrantes o frêmito da emoção.

É assim que nasce um mundo, foi assim que Deus nasceu,
Num foco abstrato de idéia, neste mesmo foco morreu...
Morreu salvando, não o mundo, mas seu rosto camafeu,
Que mesmo nas trevas do breu era feio de doer... Doeu!

Nem por isso perde-se a esperança, de encontrar, enfim,
Um novo Deus inda criança que possa, não por ti ou por mim,
Regenerar toda bonança de viver em pleno estado do latim,
Mantendo as coisas nos eixos, como estão... Assim...!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Aesculapius ubique

Doentes! Todos doentes, enfermos com a moléstia da vida... Ambos buscamos, como todas as outras espécies, algum balsamo que nos diminua o tormento de sofrer. Sofremos quando respiramos, sorvendo o ar cada dia com mais dificuldade – ... Ansiando ver a noite finda, enfim, buscando ainda algum remédio ao vicio de viver.

E como toda busca termina no fracasso ou na mentira, terminamos sofrendo ou mentindo – como quando escolhemos crer, esperar, amar. Cremos na melhora, vendo as rugas nascer, os corpos apodrecer, a vida se esvair... Esperamos um beijo de salvação com nossas bocas secas, nossos lábios rachados, com nossas chances no chão... Amamos – mesmo que em troca nos custe os olhos da reflexão – para evitar a visão da vida que decorre, da rotina incauta.

No fim, o fim não importa... E todo o trajeto que trilhamos, mostra-nos que deixamos grande parte do que poderíamos ter sido, do que fomos... Enquanto o tempo passa, febril e indiferente, as nossas escassas possibilidades escorrem como grãos por entre os nossos dedos... “O que poderíamos ter sido?”. Pergunta fria, malevolente, maquiavélica... Não se insulta assim um estuprador de crianças... “O que poderíamos ter sido?”. Cobrança... Mais que cobrança... Lembrança... Inveja de um Ego bem melhor... Lágrimas que escorrem depois de termos retirado todas as maçãs da árvore da vida... Agora acabou!

Abençoado seja o dom da morte! Omnia cinis aequat!

Niilismo

O tempo corre ampulhetando
A minha fina clepsidra...
A areia que a mancha de impudor
É a mesma que trava a minha vida.

Corcel de fúria indomável,
Iracundo e perdulário,
Seja fruto da carne incandescente
Da vitória d’outro páreo.

Orgulho, guerra, paz e preconceito,
Rebentos das conquistas e perdas,
Furor que se impele contra o peito
Do soldado das psiques mais lerdas.

Amante cálido, de coração inumano,
Coração puro, limpo, livre...
Não tem desejos, não sente,
É precursor da felicidade eminente
Que mais parece sofrer.

domingo, 21 de novembro de 2010

Hospício

Corredor longínquo. Varias portas o circundam, todas trancadas. Resta-me a porta da frente: escadaria... Os corrimãos mal pintados, cheios de ferrugem... Termino de descer, cheiro a minha mão, gosto de ferro, odor de passado.

Muitos homens de branco... Anjos de Deus?... Muitos homens carrancudos, cheios de branco, de cheiro de jasmim... Demônios de Deus?... Homens que cobrem o espaço de quase todo o hall. Correr para a saída seria loucura. Quem fugiria do céu? Pois pro ratione Deus dispertit frigora vestis. Mas e se for o inferno...? E quem fugiria do inferno? Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate...

“Deus, por que me abandonaste?”, disse o poeta... E o filosofo disse: nós o matamos...

Deus, por que me odeia tanto? As coisas parecem rodar, volto à escada... Sento no último degrau – ou seria o primeiro...? Depende de por qual ângulo se observa –... Será que a escada forma um ângulo reto...? Como aqueles dos exercícios de matemática!

Eu me rendo, entro no hall, grito de raiva... Acordo na cama... Será que temos de começar tudo novamente?

Cultura

Cultura...
Berço de morte
Que finda toda emanação de vida.
Cultura...
Beijo de idéia
Que é moldada, não é pura...

Fita-me a face ensangüentada,
Ouve os ribombos de Granada
Na voz de Plácido Domingo...

Cultura...
Toda imensa criação de regras,
Enfeza à tua própria criatura.
Cultura...
Amante de infiel caráter
Que busca na minha fiel envergadura
A posse dos meus calvos anseios...

Cultura...
Se eu soubesse amá-la, seria tolo...
E por não o saber, sou mais tolo ainda.
Bravura!
Vê como a vida finda...
Num laço tênue, tísico, raquítico de idéia...
Cultura!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Grande dia

Parado, às vésperas do grande dia,
Olhando para todos os lados,
Ele nem bem via. Aliás, como poderia?
Estavam os olhos tampados...

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Angústia

Eu vejo, por entre os fios de força presos aos postes, as arvores fremirem sob as intempéries. Vejo-as dançarem ao som dos ventos; e as suas copas balançarem como as multidões espectadoras de uma música calma. As nuvens também a ouvem, e tapam o céu com seus corpos opulentos, com suas massas assustadoramente escuras. Mas o sol não aparece; e isso torna tudo mais acessível, mais aceitável.

A tarde é tão calma, o dia tão límpido – entre a chuva que passou e a expectativa da próxima – e eu espero, quase angustiado, querendo, mas não podendo, fazer algo... Algo que nem bem sei o que é, algo que poderia ser... Queria assistir a morte de um inseto, sentir o cheiro do fósforo sem que ele impregnasse a candura da minha cozinha.

Eu temo... Tremo! Receio, ao passo que o asco de mim se apodera e alardeia todos os meus sentidos. Sinto a morte daquela vida em mim, sinto-a se esvaindo, seus nervos se retorcendo, suas antenas enviando mensagens de dor, mas não sofro. E por isso temo, temo pela extinção dos meus próprios anseios. A mágoa, a lástima de mim se contrapõe. Nega as minhas vontades racionais, para agir por ordens inferiormente compulsivas, sentimentais.

Eu amo, eu peco... Deixo de ver o que está diante dos meus olhos, para esperar – e que pecado poderia ser pior? – uma visão mais pacificadora. Deixo que a veracidade seja posta acima da dúvida... E neste momento peco mais ainda... Peco até quando digo estar pecando... Hediondo, alarmante, assombroso, hórrido... E até, de certo ponto, depravado.

domingo, 7 de novembro de 2010

Máximas extemporâneas

O segundo olhar que damos ao abismo é sempre menos impressionante, a vertigem quase passa e o som da voz que dele saí chega até a ser reconfortante. Não nos olhamos no espelho mais do que uma vez ao dia quando passamos a nos conhecer, pois das rugas da face à cor opaca dos olhos, não nos nutre sentido, os sentidos, em reler um livro com o mesmo conteúdo... Deixemo-lo envelhecer, amarelar as páginas, cingi-las de bolor, para que só assim voltemos para contemplá-lo. Não como um livro já lido, mas como uma obra de arte que nos tem a oferecer mais do que contém nas páginas.

Negamo-nos a reconhecer as partes a fim de proteger o todo. Como quando perante uma escolha, preferimos antes o ter do que o ser... E seguimos acumulando zeros... Guardando-os nas nossas caixinhas imaginárias de beleza... A seguir, matizamos os seus cadeados com o glitter purpúreo dos grãos de papoula... Apagamos então a imagem do que fomos, máxime para dissimular um novo ídolo, uma nova e mais hedionda iconofilia.

sábado, 6 de novembro de 2010

Primeira parte

Inestimável, monótono... O dia passou e parece não ter fim... As folhas de prata que soltam do corpo da lua cobrem os meus pés cansados... Como quando, depois de uma longa viajem, tiramos os sapatos e andamos sobre a grama. Pois é deste modo que me sinto agora, depois de tudo.

Amanhã a árdua jornada continua, como se a alforria fosse temporária e o habeas corpus mal empregado. Ah! Teria sido melhor empregar outro advogado, um com mais energia, com mais gosto pela ação, um que fosse agente, mas não perdesse a esperteza da paciência... Sim! Agente e paciente...

Mas o que pode ser feito quando o julgamento acaba e a sentença prende-nos as mãos? Recorremos ou aceitamos? Ó, cruel dúvida misteriosa... O ser e o não-ser de todas as coisas, Máxime quando nos expomos sob o pretexto da ignorância...

Gasto agora o que deveria guardar para o amanhã. E o amanhã me vem com a doce lembrança do agora a pouco, nem com alegres cortesias, nem com tristes peçonhas, contanto apenas de modo a me impelir à cama! Obedeço agora o conselho dos mais sábios...

Boa noite!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Diálogo com Thanatos

– Morte, onde estás? – Na tua frente!
– Por que não te vejo? – Teus olhos não o sabem!
– Podes entrar no meu quarto? – Meus corpos não cabem!
– Quantos tu tens? – Dois! Um de alma, outro de gente!

– Falas comigo? – A noite inteira!
– Quantas línguas tu sabes? – Todas!
– Quando voltas a me visitar? – Nas tuas bodas!
– Em qual delas? – É segredo! Não liga, é besteira...

– Onde está meu amor? – Eu matei!
– Por que o fizeste? – Era a hora!
– E a consciência humana? – Eu não sei!

– Não a mataste? – Eu? Não...
– Onde estavas? – Estava fora!
– Quem matou então? – A paixão!