quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Eis o Homem

Eis o Homem...

Nostálgico, quase deslumbrando de sentir, de sentir... Nada. Como que um dever mal-cumprido me pesando as costas, como que uma atitude imoral, amoral, controversa... Sinto-me um criminoso. Deveria secar-me a boca – mas ela já é seca –, suar-me o corpo – mas o calor já o fez –, tremer minhas mãos – mas elas já são trêmulas – e, por fim, congelá-las – mas elas já o são.

Não sinto – e sinto que o deveria sentir. Mas não o sinto mesmo quando sinto, pois até quando ocorre, sinto somente que não sinto. Ânsia, desejo, o coração palpitando em pávida arritmia... Não sinto, se não um leve assombro – como sempre o senti. Este medo que me persegue, este medo que me dá forças, que me faz corajoso... Até quando sou covarde.

Ecce Homo...

domingo, 19 de dezembro de 2010

Meu dia de hoje!

Meu corpo sente, quebrado, já morto,
Como quando nascia, inda preso no ventre,
Tirado as pressas, nas presas, nos dentes... Lisos...
Do bisturi que o corpo materno feria...

Meu corpo sentia, já que moribundo, mais morto que vivo...
Não sente... Meu corpo sorria numa manhã cansada
Quando para a morte o levei passear... Numa manhã passada
Que o símile da memória recorda, meio opaco, meio inciso...

Minha mente não mente, não pensa, recordo em breves instantes...
Num matiz errático, branco-e-preto, em lapsos de consciência!
E sinto na curva recurva, já que não sinto como vivo, como antes;
Para findar na supressão mais que involuntária da reticência...

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

À Odisséia

Vejo o verde concatenar com o vermelho
Em toda gama sublime de multiplicidade...
Vejo o livro antigo como um magno aparelho
Que nos transporta além da realidade...

É como uma nau sem vela, sem o mínimo de vento...
Esperando – esperançosamente – por um sopro de vida.
E esta vida é a página por página – já tanto lida...
Que sopra tão forte, quase sem intento...

E o verde são as várias planícies atenienses,
E o vermelho o sangue já bem posto...
Guerra de tróia nas mãos de Aquiles e no gosto
De Agamenon por panem et circenses

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O Homem sem Estado

Peca-se por amar, por esperar, por crer...
Peca-se até mesmo quando o porvir
Chega finalmente, chega finalmente a vir a ser
E torna todo aquele pecar um simples devir...

Salva-se, então, o homem, tirando-o do Estado,
Tornando o que era sólido, líquido; e o que era
Líquido na solidez mais dura, no aço mais pesado...

Salva então o seu corpo, salva então o que importa,
E foi assim que o mundo girou... De ano em ano, de era em era...
Neste sentimento que o refletir – puro pensar – exorta...

Mas faltou um pouco de fel no sangue puro tornado,
Algo que o fez regredir, algo que muito se assemelha a paixão...
Ó meus sábios, faltou ainda um esperma podre plantado...
Ó, Ó! Faltou, para que o puro se purifique, tirar também a religião.

Uma Comédia Humana – Parte I

Ri-se do encanto com que o canto entoa das cordas sonoras, divinas, dos pássaros canoros. Primeiro o rouxinol... Não! O Rouxinol... E ele também como o último... Sem meios de história... Uma história contada na manhã, passada pelo relógio da meia-noite.

Via tão incoeso toda àquela formulação dos fatos, sentia quase que um arrebatar do senso, mas prendia o próprio desejo, guiava o anseio – como bom ordinário – para um caminho mais suave. Sentia o horror predestinado nos livros ao assistir as barbáries do povo na televisão. Evitava-a, evitava também o jornal e a internet... Todas as fontes de maquinação da desgraça...

Trabalhava sem o mínimo gosto, tinha desejo por suas alunas. Sentia-lhes o cheiro, o gosto macio do aroma repousar em sua face, mas policiava-se... Não desejava um escândalo. Sua vida já era demasiada difícil, monótona até. E quem sabe um escândalo fosse o que Ela precisava? E quem sabe Ele é quem não precisava dEla?

A Aula de hoje transcendia as expectativas, repreendia-se com elogios que mais pareciam insultos. Temas tão abrangentes já nasciam fadados ao fracasso para a maioria dos alunos. A escola não era mais um desafio, uma diversão. Para ambas as partes – alunos e professores. Mas para ele ainda guardava um gosto todo suave de coesão e motivo, como por hábito fazia e o habito o fazia o que era. Ambos o devir alheio... Ambos... ambos.

O tema era Período Homérico, que em nada surpreendia mais os alunos, mesmo com suas histórias mágicas, deslumbrantemente completas. Mas deixava sim um receio, umasentimento de dúvida, um perguntar pela causa... Como se cada segundo na arena com Aquiles fosse um segundo perdido... Como se cada segundo na nau de Odisseu fosse um segundo irrelevante, uma aposta mal fundada, um investir fadado ao fracasso.

E ao fracasso com todos vós!

Talvez continue...

Casa

O arame retorcido, em cima da casa do cachorro
Forma formas com as quais não se pode conter o riso,
Ou as lágrimas... O arame retorcido forma um coelho
E ainda forma o horror do abstrato inconciso...

Os tijolos da casa são marrons, cobertos de cinza...
O musgo das pedras ao redor é verde, quase vermelho,
Parece que quando o cachorro late, as vigas tremem,
O portão não camufla o som e eu caio indeciso no espelho...

Parece-me que falta ainda um pedaço de terra,
Toda coberta de árvores de múltiplas, várias cores...
Incompleto, talvez, o terreno vislumbra a pátria serra
E murcha no cheiro do fel, vibrando de dores...

Incompleto, secando o terreno de ponta a ponta,
Sentindo-lhe o cheiro, o gosto, a maciez do tato,
Termino também na mesma indecisão inconcisa
Que torna a fantasia do já o amanhã do fato...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Ode aos meus dentes!

Meus dentes, de serras vorazes,
Já sujos de sangue, de vida,
Mastigam velozes as gazes
D’alguma múmia corroída...

Os séculos passam à frente
E eles seguem sua lida
Num mastigar antigo, nitente...
E tudo se consome na mordida.

Pode carne, amor, compaixão...
Num mesmo prato contido
E até o corpo humano da paixão

Pelas velozes presas corroído,
Juntarem-se na mesma cama, colchão...
Sim, na gula o mundo está perdido!

domingo, 28 de novembro de 2010

Idéia Abstrata

Um novo mundo começa com uma nova abstração,
Um foco de idéia desconexa, presa à correntes no chão...
Pulsa-se então um peito aberto, abre-se o coração...
Vê-se em suas artérias vibrantes o frêmito da emoção.

É assim que nasce um mundo, foi assim que Deus nasceu,
Num foco abstrato de idéia, neste mesmo foco morreu...
Morreu salvando, não o mundo, mas seu rosto camafeu,
Que mesmo nas trevas do breu era feio de doer... Doeu!

Nem por isso perde-se a esperança, de encontrar, enfim,
Um novo Deus inda criança que possa, não por ti ou por mim,
Regenerar toda bonança de viver em pleno estado do latim,
Mantendo as coisas nos eixos, como estão... Assim...!

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Aesculapius ubique

Doentes! Todos doentes, enfermos com a moléstia da vida... Ambos buscamos, como todas as outras espécies, algum balsamo que nos diminua o tormento de sofrer. Sofremos quando respiramos, sorvendo o ar cada dia com mais dificuldade – ... Ansiando ver a noite finda, enfim, buscando ainda algum remédio ao vicio de viver.

E como toda busca termina no fracasso ou na mentira, terminamos sofrendo ou mentindo – como quando escolhemos crer, esperar, amar. Cremos na melhora, vendo as rugas nascer, os corpos apodrecer, a vida se esvair... Esperamos um beijo de salvação com nossas bocas secas, nossos lábios rachados, com nossas chances no chão... Amamos – mesmo que em troca nos custe os olhos da reflexão – para evitar a visão da vida que decorre, da rotina incauta.

No fim, o fim não importa... E todo o trajeto que trilhamos, mostra-nos que deixamos grande parte do que poderíamos ter sido, do que fomos... Enquanto o tempo passa, febril e indiferente, as nossas escassas possibilidades escorrem como grãos por entre os nossos dedos... “O que poderíamos ter sido?”. Pergunta fria, malevolente, maquiavélica... Não se insulta assim um estuprador de crianças... “O que poderíamos ter sido?”. Cobrança... Mais que cobrança... Lembrança... Inveja de um Ego bem melhor... Lágrimas que escorrem depois de termos retirado todas as maçãs da árvore da vida... Agora acabou!

Abençoado seja o dom da morte! Omnia cinis aequat!

Niilismo

O tempo corre ampulhetando
A minha fina clepsidra...
A areia que a mancha de impudor
É a mesma que trava a minha vida.

Corcel de fúria indomável,
Iracundo e perdulário,
Seja fruto da carne incandescente
Da vitória d’outro páreo.

Orgulho, guerra, paz e preconceito,
Rebentos das conquistas e perdas,
Furor que se impele contra o peito
Do soldado das psiques mais lerdas.

Amante cálido, de coração inumano,
Coração puro, limpo, livre...
Não tem desejos, não sente,
É precursor da felicidade eminente
Que mais parece sofrer.

domingo, 21 de novembro de 2010

Hospício

Corredor longínquo. Varias portas o circundam, todas trancadas. Resta-me a porta da frente: escadaria... Os corrimãos mal pintados, cheios de ferrugem... Termino de descer, cheiro a minha mão, gosto de ferro, odor de passado.

Muitos homens de branco... Anjos de Deus?... Muitos homens carrancudos, cheios de branco, de cheiro de jasmim... Demônios de Deus?... Homens que cobrem o espaço de quase todo o hall. Correr para a saída seria loucura. Quem fugiria do céu? Pois pro ratione Deus dispertit frigora vestis. Mas e se for o inferno...? E quem fugiria do inferno? Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate...

“Deus, por que me abandonaste?”, disse o poeta... E o filosofo disse: nós o matamos...

Deus, por que me odeia tanto? As coisas parecem rodar, volto à escada... Sento no último degrau – ou seria o primeiro...? Depende de por qual ângulo se observa –... Será que a escada forma um ângulo reto...? Como aqueles dos exercícios de matemática!

Eu me rendo, entro no hall, grito de raiva... Acordo na cama... Será que temos de começar tudo novamente?

Cultura

Cultura...
Berço de morte
Que finda toda emanação de vida.
Cultura...
Beijo de idéia
Que é moldada, não é pura...

Fita-me a face ensangüentada,
Ouve os ribombos de Granada
Na voz de Plácido Domingo...

Cultura...
Toda imensa criação de regras,
Enfeza à tua própria criatura.
Cultura...
Amante de infiel caráter
Que busca na minha fiel envergadura
A posse dos meus calvos anseios...

Cultura...
Se eu soubesse amá-la, seria tolo...
E por não o saber, sou mais tolo ainda.
Bravura!
Vê como a vida finda...
Num laço tênue, tísico, raquítico de idéia...
Cultura!

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Grande dia

Parado, às vésperas do grande dia,
Olhando para todos os lados,
Ele nem bem via. Aliás, como poderia?
Estavam os olhos tampados...

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Angústia

Eu vejo, por entre os fios de força presos aos postes, as arvores fremirem sob as intempéries. Vejo-as dançarem ao som dos ventos; e as suas copas balançarem como as multidões espectadoras de uma música calma. As nuvens também a ouvem, e tapam o céu com seus corpos opulentos, com suas massas assustadoramente escuras. Mas o sol não aparece; e isso torna tudo mais acessível, mais aceitável.

A tarde é tão calma, o dia tão límpido – entre a chuva que passou e a expectativa da próxima – e eu espero, quase angustiado, querendo, mas não podendo, fazer algo... Algo que nem bem sei o que é, algo que poderia ser... Queria assistir a morte de um inseto, sentir o cheiro do fósforo sem que ele impregnasse a candura da minha cozinha.

Eu temo... Tremo! Receio, ao passo que o asco de mim se apodera e alardeia todos os meus sentidos. Sinto a morte daquela vida em mim, sinto-a se esvaindo, seus nervos se retorcendo, suas antenas enviando mensagens de dor, mas não sofro. E por isso temo, temo pela extinção dos meus próprios anseios. A mágoa, a lástima de mim se contrapõe. Nega as minhas vontades racionais, para agir por ordens inferiormente compulsivas, sentimentais.

Eu amo, eu peco... Deixo de ver o que está diante dos meus olhos, para esperar – e que pecado poderia ser pior? – uma visão mais pacificadora. Deixo que a veracidade seja posta acima da dúvida... E neste momento peco mais ainda... Peco até quando digo estar pecando... Hediondo, alarmante, assombroso, hórrido... E até, de certo ponto, depravado.