quinta-feira, 28 de abril de 2011

Gélida Manhã

Uma bela homenagem a uma das

manhãs mais frias do ano, 28 de Abril

De todo suave vento frio que cospe
Na cabana branca e mofada,
Uma brisa enruga-se, força, crespe,
Sobressaindo-se na madrugada.

É a rainha do gelo toda transformada
Em vento, em sopro de vida infecundo,
Matando toda esperança do mundo.
Esperança essa, já toda desesperançada...

Eu não quero calor para matá-la,
Nem frio que a conserve viva e quente,
Quero a surpresa meiga e eloqüente

Que vem no corpo e fala e cala
Todo vento e todo frio carente
Num abraço de amor ardente.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Alegro

No alegro da andorinha silvestre
Batem as asas de um pequeno coro,
Tange a garganta em bom campestre
Ribombando no bico augusto de loro.

É tão doce o som que ela produz,
Rainha da mata pousada na minha
Chaminé, forma tua pequena casinha –
Contraste de marrom e azul que reluz –

No berço do telhado, tão perto do poste
De força – dos fios de extrema-alta-tensão
Que tanto gostas. Há um elétrico hoste.

Não me importa que vivas, que morras
Nos braços mecânicos da eletrificação...
Melhor morta que presa na marginalização –
Tráfico de aves, das belas matas às vis masmorras...

terça-feira, 26 de abril de 2011

Magister Lacteo

Abertas, minhas feridas, suam
De formar poças na estrada.
Elas, de pus rúbido, mancham
A flor da meiga alvorada.

Meu espectro de doente
Não mais sobrevive no dia,
Quebrou-se, vil e docemente,
No rancor da água fria...

Ah! Dói-me tocá-la nos dedos –
Manchados todos de sangues,
Cobertos de malévolos segredos...

Dói-me quando não estão no leite
E perdidos espelham exangues
De dor nesta estrofe de deleite.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

Câncer de Pele

Na rua de noite escura,
Sem lua, com a pele do sol
A me queimar o manto do solo,
Corri feito louco, extraviado...

Sem manto de pele,
Sem vida de derme,
O cório vertendo água-ardente,
Senti na imundice do mundo
A tristeza dos nervos em flor.

Meu sangue de rato os pelos
Dos répteis – frios escamosos –
Fez correr num riacho de vil rancor.

Melancolia dos versos,
Melancolia sem versos...

O riacho escorreu no seu rumo –
Com foz na cloaca da espécie –
Passando pela evolução humana.

Sem vida a lua apareceu,
Trazendo consigo minha pele sem manchas –
Levada pelo sol do meio-dia.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Crônica de Grande Sexta-feira.

Dia quente, noite abafada. Rolam as semanas nesta rotina. O sol deixa espairecer um céu azul, cristalino em toda sua majestade. O clima deixa a vegetação latifoliada – grande e viva. O sol resseca as folhas das árvores – copas imensas – resguardando as pequenas mudas.

No jardim da minha casa tudo é meio seco, tudo é bem molhado todos os dias. Tudo é muito seco mesmo recente e constantemente molhado. É o sol se sobrepondo ao esplendor da água. O solo árido da passagem que liga a rua à minha casa quase não tem verde, tem apenas a grama que o circunda, como em uma passarela humanamente projetada.

Não é domingo de páscoa, não é manhã de natal. É tarde de Sexta-Feira – feriado – sem o qual viveria normalmente. Hoje não é dia mais longo que ontem, nem, com certeza, menor que amanhã ou depois, é somente hoje.

Hoje as folhas das árvores são tão vivas – tão secas – quanto ontem foram.

Hoje ainda não acabou no relógio – tic-tac –, mas acabou para mim – tic-tac.

segunda-feira, 21 de março de 2011

Ação

Imita... Passa à seguinte personagem,
“Apaga-te! Apaga-te... Chama breve”,
“Errou a fala” – diz o diretor, zangado!

Deus ex machina molda a paisagem,
Tornando o rancor pesado, leve...
Ainda com o trágico final pesado!

Passa o tempo e o público cansa,
Vibra, sacode, surpreende-se...
Passa o tempo em fala mansa,
Gutural, daquele, d’outro, desse...

O altivo ator ação penosa vinga,
Como adaga em punhos cerrados,
Com olhos abertos ou fechados
É sempre ato de marra, ginga...

Feliz dia Universal do Teatro...

domingo, 20 de março de 2011

Não sou poeta

O poeta é um servidor,
Por isso que não sou poeta...
Quando quer, não pode,
Impulso de serviço é sua meta.

Não quero prisão de pensamento,
Livre que sou de espírito,
Prefiro antes o hábito
De correr nas intempéries do vento...

Sopro meu próprio rumo
E vou seguindo bem devagarzinho
Ou lépido como um passarinho
À bel medida de meu prumo...

Se o vento diz que não posso,
Passo do vento ao chão, a terra...
E quando dizem que é alto,
Desço descalço a verdejante serra.

Sou livre, cauto, mas liberto...
E para manter ares de letrado
Não me faço pouco zangado
E caio em um belo livro aberto.

domingo, 6 de março de 2011

Anseio por uma página,
Mas a inspiração me foge...
Levou-me tudo Febo Apolo.

Troquei a inocência por conhecimento,
Vendi Dionísio para comprar ciência
E debelar em um eterno tormento.

Espírito antes de ‘´Aιδης, sempre...
Iota adscrito pela maiúscula obrigatória:
Nome próprio...

Quem dera voltar no tempo...
Para que eu pudesse gastar mais tempo
Com pesquisa e menos com brincadeiras...
Teria agora menor dificuldade.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Afogo

Opresso pelo suor, quente o meu quarto,
Suam comigo as paredes brancas,
Quem dera fossem brancas as paredes sujas,
Manchadas de um bolor do chão às sancas...

Os ventos da janela aflita,
Toda moldada de cinza,
Sopram fraquejando
E o tocar me incita.

Toca o vento na quebrada palafita
Da miniatura que me serve de adorno.
Os livros de gramáticas envelhecem sem que eu perceba
Neste odor bafio, no tempo todo morno.

Passa tempo! Disse o cantor que tu não paras,
Não espera o meu tempo para passar.
Passa tempo! E o clamor se esbarra
Na minha agonia sisuda de pensar...

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Estrada do tempo

Na estrada do tempo, azul e branco,
Brilha uma luz opaca na calçada,
Olhos de gato com os pés já mancos
Na estreita simbiose da alvorada.

Brilha, apaga... Brinca o sol de esconde-esconde,
Passa o tempo, a lua busca, eterna enamorada,
Nos passos das estrelas um caminho por onde
Possa encontrar amor, já toda apaixonada.

Beija, escarra... Beija, escarra o verso da página,
Toda manchada de limbo, no limbo do espaço,
Com marcas amarelas na capa tão fina.

E enquanto a lua busca e o sol se esconde baixinho,
Fico eu preso na estrofe do embaraço,
Sem luz, sem calor, sem estrelas, a caminhar sozinho...

domingo, 2 de janeiro de 2011

Ode aos meus inimigos, que já se foram

Vede, enquanto sobe o desgosto,
O brilho fenecendo no horizonte.
Vede quanto mal já me tem posto
Este mar imenso sem uma ponte.

Vede o lusco-fusco dos vossos olhos
Nos espelhos das múltiplas paredes.
E os muros, tão cheios de anfibólios,
Nas profundas, velhas, redes...

Vossos olhos de lince já não vêem tanto?
Vossos olhos, tão cegos – opacos – de cristais,
Não podem ver este belo altar sacro-santo?

Vede ao menos como danço nos beirais
Das vossas memórias; e ouvi o breve canto
Que entôo nas vossas moradas sepulcrais.