segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Estragando um Poema

A casa inteira dormia, e dormia também a cidade, e dormia também o país, exceto aquelas cidades onde as baladas começavam às 11h e as crianças, fingindo serem adultas – sob o efeito das mágicas virtudes, dos amores químicos – sentiam na pele o êxtase das orgias sem toques, ou com toques de mais.

Eu não dormia, estudava... Revia conjugações verbais: Presente do Indicativo? Eu sou, tu és, ele é. Mas e em italiano? Io sono, tu sei, Lei ou Lui è. Os verbos tão semelhantes e na origem das línguas o mesmo defeito da língua estrangeira moderna: sem ser, sem estar... Com ser, com estar... Acoplados nas faces desfiguradas dos livros didáticos, que nada nos ditam, além de suas regras, escritas por grandes, sábios professores.

Mas as horas não passavam e os meus olhos, já cegos das luzes forjadas, feriam-me a cabeça, olhando aquela tela de pontos, que nem mesmo Seurat agüentaria e em verbo expeliria o vomito da discórdia. Porém eu não suportava, tinha de olhá-la, enquanto a cidade dormia, enquanto as virgens repousavam suas cabeças angelicais nos colos celestes d’algum deus que a iria possuir e naquela noite iria tirar-lhes todos os sentidos e todas as virtudes...

Enquanto o meu país dormia, enquanto a inspiração para este texto dormia, ou deveria estar dormindo, continuava a não dormir, mas o meu corpo se impelia à cama e a minha alma, que nem sei se existe, expelia-me do leito, dizendo coisas fantasmais, donde todos os contos de terror foram tirados.

E dos Pretéritos – Perfeito e Imperfeito – caímos no presente da mesma agonia.
Sem sono, sem sonho, sem inspiração para um poema...

E lá vai uma tentativa:

E da falta de inspiração fez-se um tema.
E de toda história contada uma estrofe,
Mas faltando uma linha para um poema
Interrompeu-se o narrador numa apóstrofe...

E, se não der certo na primeira, desistir jamais e sem hesitação, manda-se um refrão:

Oh! Mas como é lindo a tentativa,
Que sem um verso pronto
Ou uma história, ou um conto
Não torna a matéria em coisa viva.

E para estragar todo o poema, faz-se uma burrada e borra o borro com barro tirado da beira do rio, num barco de Baco, que o beco da boca branqueado, beirado, a brisa soprou e a brisa sumiu:

Mas tentando então, sem vergonha,
Podem-se trazer verdades e mentiras,
Pode-se fingir uma cegonha
E parir as odes que se aspira...

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