Era uma noite erma e sombria, pouco iluminada pelas pálidas luzes da rua.
Para que luz numa rua onde nenhuma viva alma vai andar? Ninguém saberia responder, exceto a moribunda criança que se aproximava. Era um espírito sem morada rumando para a casa.
A criança, de alvo fundo nos olhos e íris completamente nula, entrou numa pequena casa de subúrbio. Era tão velha e decrépita que somente combinava com sua bolsa de senhora.
Quando a luz de um quarto acendeu, ninguém poderia acreditar: a menina, sem sua bolsa de senhora, tinha os cabelos em chamas, mas não se queimava. Só o sol lhe causava mais sardas no rosto, porém a lua a muito já havia nascido e ela não precisava se preocupar.
Seu reflexo era triste no espelho, as lágrimas não queriam parar o seu canto. E era uma melodia tão bela que até a orquestra não parava de balbuciar. Era um coração quebrado em plena arritmia.
A tristeza que ela sofria, todos que a tivessem olhado na face poderiam dizer, era a dor da solidão. Dor nenhuma é mais amarga e mais dorida. É uma dor que clama a morte.
Ninguém poderia adivinhar os motivos, nem pai, nem mãe. Todos só viam a criança vermelha tentando apagar sua chama com lágrimas.
Durante a madrugada, enquanto os cães domésticos dormiam e os gatos de rua estavam no ápice da orgia, a pobre criança moribunda levantou seu corpo da cama, foi até a cozinha, pegou de uma faca de corte fino, que corta maçã e banana, e lhe desferiu no pulso.
Atenciosamente!
Marcelo dos Santos
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